Violência Doméstica e Proteção ao Trabalho: A possibilidade de afastamento da Vítima de Violência Doméstica do Local de Trabalho
- sfsadvsite
- 23 de mai.
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A Lei Maria da Penha, representa um marco legal fundamental para a proteção integral das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Referida legislação, não se destina somente à criação de tipos penais visando a criminalização de condutas relacionadas à violência de gênero, mas também assegura diversos direitos que nem sempre são de conhecimento da maioria da população.
As medidas protetivas de urgência, por exemplo, visam garantir a segurança física e psicológica das vítimas, contudo, essa proteção transcende o âmbito doméstico, estendendo-se ao ambiente de trabalho, reconhecendo o impacto que a violência pode ter na vida profissional e na estabilidade financeira da mulher. Nesse contexto, o artigo 9º, inciso II, da referida lei, que prevê a possibilidade de afastamento da vítima do local de trabalho, assume um papel crucial.
O artigo 9º, inciso II, da Lei Maria da Penha, assegura à mulher em situação de violência doméstica e familiar a "manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses". A finalidade primordial dessa disposição é preservar a integridade física e psíquica da vítima, permitindo que ela se afaste de um ambiente de trabalho que possa representar um risco, seja pela presença do agressor no mesmo local, seja pelo trauma psicológico que a impede de exercer suas atividades profissionais.1
É importante ressaltar que essa medida não é automática, dependendo de uma ordem judicial que avalie a necessidade do afastamento e defina o seu prazo, respeitando o limite máximo de seis meses. Diversas situações podem justificar essa medida protetiva, como nos casos em que o agressor é um colega de trabalho, um superior hierárquico, quando a vítima é obrigada a mudar de cidade por conta da violência ou quando ele possui fácil acesso ao local de trabalho da vítima. Adicionalmente, o abalo psicológico decorrente da violência sofrida pode incapacitar a mulher para o trabalho, tornando o afastamento uma medida necessária para sua recuperação. A lei, portanto, oferece uma proteção que considera a complexidade das situações de violência doméstica, reconhecendo que suas consequências podem se manifestar em diferentes esferas da vida da vítima.
A interpretação e a aplicação desse dispositivo legal têm sido objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com destaque para a decisão proferida no Recurso Especial (RESP) nº 1757775, tendo como relator o Ministro Rogério Schietti Cruz. O julgado abordou a natureza jurídica desse afastamento e suas implicações no contrato de trabalho e no pagamento de salários durante o período de ausência.2 Um dos pontos centrais da decisão foi a definição da competência para determinar a manutenção do vínculo empregatício durante o afastamento. O STJ firmou o entendimento de que a competência para apreciar o pedido de imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista é do juízo da vara especializada em violência doméstica e familiar ou, na sua ausência, da vara criminal.5 Essa definição de competência é fundamental para garantir que a vítima tenha acesso à justiça em um foro adequado para tratar de questões relacionadas à violência doméstica.
Outro aspecto crucial da decisão do STJ no RESP nº 1757775 reside na classificação jurídica do afastamento do trabalho. O Tribunal Superior entendeu que o afastamento da vítima, determinado judicialmente com base no artigo 9º, inciso II, da Lei Maria da Penha, configura uma interrupção do contrato de trabalho, e não uma rescisão.5 Essa distinção é de suma importância, pois a interrupção implica a continuidade do vínculo empregatício, assegurando à vítima o direito de retornar ao seu posto de trabalho após o período de afastamento autorizado. Essa interpretação protege a mulher de perder seu emprego em um momento de vulnerabilidade, garantindo sua estabilidade profissional e financeira.
No que concerne aos direitos financeiros da vítima durante o período de afastamento, o STJ estabeleceu que, nos primeiros quinze dias de ausência, o pagamento do salário é de responsabilidade do empregador.5 Para o período restante, que pode se estender até seis meses, o entendimento do Tribunal é que a vítima tem direito ao auxílio-doença pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), desde que apresente um atestado médico que comprove sua incapacidade para o trabalho e seja aprovada pela perícia médica do INSS.5 Essa decisão buscou suprir a lacuna legal existente quanto ao pagamento de salários durante o afastamento previsto na Lei Maria da Penha, utilizando uma interpretação extensiva da lei e uma analogia com os casos de doença da segurada, considerando que a violência doméstica afeta a integridade física e psicológica da mulher de forma equiparável a uma enfermidade.5 O STJ fundamentou sua decisão em uma interpretação teleológica da Lei Maria da Penha, priorizando a finalidade da norma, que é a proteção integral da mulher em situação de violência.5
A decisão do STJ no RESP nº 1757775 possui implicações práticas significativas tanto para as vítimas de violência doméstica quanto para os empregadores. Para as vítimas, a decisão reforça o direito de solicitar o afastamento do local de trabalho como medida protetiva, garantindo sua segurança e bem-estar sem a perda imediata do emprego. O processo para obter essa medida envolve buscar auxílio jurídico e apresentar o caso à vara especializada em violência doméstica ou à vara criminal, que avaliará a necessidade do afastamento e poderá determinar a manutenção do vínculo empregatício. Além disso, a decisão do STJ esclarece o direito da vítima ao recebimento de salário nos primeiros quinze dias de afastamento e ao auxílio-doença nos meses subsequentes, mediante a apresentação de atestado médico e aprovação na perícia do INSS. É fundamental que as vítimas busquem orientação jurídica para entender seus direitos e seguir os procedimentos legais adequados para garantir a efetividade dessas proteções.
Para os empregadores, a decisão do STJ estabelece a obrigação de manter o vínculo empregatício da funcionária vítima de violência doméstica que possua uma ordem judicial de afastamento do trabalho. Além disso, fica clara a responsabilidade do empregador pelo pagamento dos primeiros quinze dias de afastamento. A partir do décimo sexto dia, a responsabilidade pelo pagamento passa a ser do INSS, por meio do auxílio-doença, desde que a empregada cumpra os requisitos legais. É importante que as empresas desenvolvam políticas e procedimentos claros para lidar com essas situações, promovendo um ambiente de trabalho seguro e de apoio para as vítimas de violência doméstica. O descumprimento de uma ordem judicial de afastamento e manutenção do vínculo empregatício pode acarretar consequências legais para o empregador, por essa razão, a importância do compliance trabalhista.
Referências citadas
www2.senado.leg.br, acessado em maio 5, 2025, https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496319/000925795.pdf
MEDIDAS PROTETIVAS NA LEI MARIA DA PENHA - LEI N. 11.340/2006 - STJ, acessado em maio 5, 2025, https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/JuriTeses/article/download/12765/12857
Jurisprudência em tese STJ sobre medidas protetivas na Maria da Penha; https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/doc.jsp?livre=%27205%27.tit.
STJ define a natureza jurídica do afastamento da vítima local de trabalho em razão de violência doméstica, acessado em maio 5, 2025, https://www.defensoria.ro.def.br/wp-content/uploads/2023/08/INFORMATIVO.-167.pdf
Jurisprudência do STJ - STJ, acessado em maio 5, 2025, https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=%28RESP.clas.+e+%40num%3D%221757775%22%29+ou+%28RESP+adj+%221757775%22%29.suce.&O=JT
CD233838819500, acessado em maio 5, 2025, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2301814
Direito Penal - Rumo ao MP I Ministério Público, acessado em maio 5, 2025, https://rumoaomp.com/plataforma/uploads/files/2024/06/recado-maria-da-penha-1717960843.pdf
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